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Por Ana M M González

MANHÃ DE CUMPLICIDADE


O ônibus tinha poucos passageiros. Eu estava do lado esquerdo, atrás do motorista. Do outro lado havia um senhor. Depois do cobrador, umas dez pessoas ou pouco mais que isso, sentadas e quietas. Algumas de olhos fechados, aproveitando quem sabe o sacolejo para mais um pedaço de sono. A conversa rolava solta entre o motorista e o cobrador. Eles tinham assunto demais. Estavam em casa. Até que o motorista interrompeu esse papo, olhou à sua direita e abriu a porta em uma esquina fora do ponto. Coisa rara. Uma outra conversa foi então entabulada. Uma voz masculina jovem, clara e em bom português vinha de fora. Animadamente o motorista perguntou como estava e tudo o que se espera de uma conversa rápida em que as pessoas se encontram e estão felizes por isso. Se conheciam há certo tempo, com certeza. O motorista fechou a porta do ônibus e seguimos caminho. O motorista então se voltou ao cobrador, informando: “Muito bom esse cara! Gente fina demais. Ele estudou e conseguiu o lugar que desejava. Mereceu. Bom sujeito!” Entendi que eles tinham tido tempo de convivência, suficiente para a avaliação do motorista. Fiquei contente por ambos. Admirei os dois pelo diálogo que se estabeleceu gerando calor e reconhecimento, pelo contato que se fez por ruas e avenidas de uma cidade grande, por caminhos de simpatia. Parece pouco, não é mesmo? Nem é muito mesmo. Porém, neste mundo de redes virtuais em que são muitas as esquinas de solidão e os buracos de depressão, um contato diário como esse não é pouco, não. Pode ser mais do que mera formalidade. Aquele dia de uma manhã fria começou com o som de uma conversa animada, em que havia alegria de um reencontro, alimentado anteriormente por outros encontros. Me vi também torcendo pelo homem (qual deles mesmo?) que tinha conquistado um olhar e presença no trajeto de um coletivo. Comemorei a conquista de um e de outro. Camaradagem casual transformando o cotidiano em algo mais humano. Os assuntos continuaram entre motorista e cobrador e eu tinha me perdido em pensamentos. Até que, de novo, o ônibus parou para que os entregadores de jornais dessem ao motorista um monte deles. Sim, um hábito diário. Quando cheguei ao meu ponto, antes de descer do ônibus, pedi ao motorista uns jornais e os passei ao cobrador. Ele me olhou cúmplice. Teria entendido minha vontade de entrar nessa roda?

Desci. Virei-me e sorri para o motorista. Ele também sorriu. Não precisava mais nada. Bom sujeito!

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