Transporte coletivo em momento de crise
Cada vez menos pessoas estão usando ônibus como meio de transporte no Brasil. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 39% dos brasileiros estão insatisfeitos com o transporte público, sendo a região Sudeste a que reúne mais opiniões negativas.
O levantamento fornece subsídios para o avanço de políticas públicas, com atenção à inadequação da priorização do transporte individual em detrimento do transporte coletivo, de acordo com o presidente do Ipea, Marcio Pochmann.
A insatisfação com o transporte agrava durante a situação de pandemia atual. Diante da adoção do home office de apenas 43% de empresas brasileiras, da flexibilização da quarentena proposta em alguns estados e cidades do país e da retomada das atividades econômicas, passageiros enfrentam lotação no ônibus.
A reabertura de empresas e comércios, principalmente os que não se caracterizam como serviço essencial, é considerada pelos cidadãos como falta de preocupação dos governos com a sociedade. Cerca de 25% dos brasileiros utilizam o ônibus como meio de transporte para o trabalho ou escola, havendo, então, principalmente nesse período, uma superlotação nos referidos meios de locomoção devido ao desequilíbrio entre oferta e demanda.
Ônibus lotado no Rio de Janeiro durante período de isolamento. Foto: Roberto Moreyra.
O setor de transporte coletivo normalmente transporta 45 milhões de passageiros/dia. Hoje, segundo o Google, o Brasil teve redução de 34% na frequência a locais de trabalho, e 66% seguem trabalhando. Já a queda no transporte coletivo é de 52%, ou seja, mais de um terço da população segue utilizando o meio. Com a redução da oferta, muitos enfrentam lotação, fazendo com que o distanciamento proposto como medida de segurança seja infactível.
“Pego [ônibus] todos os dias às 6:15h e está sempre lotado. E se você deixa pra ir em outro, chego atrasada no trabalho. Então o jeito é ir nesse lotado mesmo”, diz Aline Brandão, em comentário no Facebook.
A preocupação é notória. A aglomeração em estados como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro é preocupante. Em Minas Gerais, o governo baixou um decreto para que a capacidade máxima dos ônibus nesse período passasse a ser o limite de passageiros sentados, no entanto, a determinação não está sendo seguida nos horários de pico. Em São Paulo, a frota precisou ser reajustada, hoje há mais de quatro mil ônibus rodando, porém, os metrôs continuam superlotados. Já a prefeitura do Rio de Janeiro pôs em prática medidas para tentar fazer com que os trabalhadores saiam de casa em horários diferentes, mas o que se viu na prática foram cenas de dias normais.“É um absurdo. Todos os dias têm sido assim, eu entro nos ônibus morrendo de medo de pegar o vírus. As pessoas não respeitam, nem todas usam máscaras e todos ficam aglomerados”, diz a passageira Lilian Deisi Brustolin, para o G1.
Em Curitiba, ônibus lotado foge às regras de distanciamento social. Foto: Gazeta do Povo
Em relação à obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção, a preocupação ultrapassa o contágio do vírus. O transporte público tem se tornado alvo de assaltos durante a pandemia e até a proibição da entrada de passageiros sem o uso de máscaras passou a ser motivo de brigas e desentendimentos durante viagens.
Além disso, a sociedade se questiona a respeito da locomoção de pessoas com suspeita do novo coronavírus. A questão que fica é: a quarentena começa somente ao chegar em casa? O Instituto de Saúde Global apontou em 2018 que as pessoas que usavam o metrô regularmente eram mais propensas a apresentar sintomas semelhantes aos da gripe. A pesquisa ainda mostrou que, quando os habitantes são obrigados a mudar de linha uma ou mais vezes, as chances de apresentarem sintomas parecidos à influenza são mais altas quando em comparação com os passageiros que chegam ao seu destino por uma viagem direta. Já para o transporte relativamente vazio, os riscos mudam.
Recentemente, a empresa Marcopolo realizou um estudo sobre a renovação de ar no transporte público como forma de combate à disseminação de Covid-19.
Foto de Carlos Monteiro de ônibus no Rio
“No momento delicado no qual nos encontramos, existe apreensão quanto à possibilidade de contaminação através de vias aéreas causadas por agentes patológicos, como vírus e bactérias, principalmente em ambientes fechados. Os estudos demonstram que a capacidade de renovação de ar dos dispositivos de ar-condicionado em ônibus, aliada a medidas de segurança como o distanciamento necessário, o uso de máscaras e a correta higienização dos veículos e dos sistemas de climatização, é uma importante aliada na prevenção de doenças virais, como é o caso da Covid-19”, afirma Luciano Resner, diretor de Engenharia da Marcopolo, para a Unibus RN.
Uma equipe com mais de 100 pessoas de todas as regiões do mundo tem sistematizado as respostas de políticas públicas que os governos assumiram para enfrentar o novo coronavírus. As informações coletadas estão agrupadas em 17 indicadores que buscam medir três eixos principais:
i) medidas de contenção e fechamento;
ii) políticas econômicas;
iii) políticas no sistema de saúde.
Com base nesses indicadores, é calculado um índice de rigor o qual fornece uma ideia do número de políticas governamentais e o quão rigorosas elas são. Ele não mede a eficácia das respostas do estado à pandemia, mas as informações fornecidas são essenciais para que os tomadores de decisão locais possam calibrar e melhorar suas ações baseando-se em evidências.
O estudo indica a necessidade de comparar medidas eficientes de estados com características semelhantes, principalmente relacionadas à fragilidade do estado, capacidades, PIB, área territorial e índice da população. A partir do estudo (ainda prévio), ressalta-se que não existe uma solução ou fórmula única para enfrentar os enormes desafios que o Brasil e muitos outros países ainda irão passar. As experiências de outros países não podem ser copiadas, mas devem ser adaptadas para que sua implementação atenda às necessidades e capacidades de cada local.
Publicado originalmente em Agora é Simples